Eram aquelas tardes planas e intermináveis que tinham o peso do cartão húmido. Andava sempre no mesmo pedaço de alcatifa com o carrinho de bebé, a contar candeeiros pela janela como um prisioneiro de navio a contar ondas. A chaleira estalava, a máquina de lavar zumbia, e o silêncio entre os ruídos ganhava dentes. Precisava de vozes adultas, mas a minha tinha-se reduzido a linguagem de bebé e conversas sobre o tempo, e isso é um lugar assustador para se estar. O mais estranho é isto: o que mudou tudo não foi um grande plano, foi uma sala paroquial que cheirava a bolachas e cera, e um círculo de desconhecidos que ainda não sabiam o meu apelido — e quase nem entrei.
As longas tardes sobre as quais ninguém te avisa
Há um tipo de isolamento que se esconde à vista de todos. Podes estar rodeada de brinquedos, roupa para lavar, o zumbido dos radiadores, e mesmo assim sentir que a tua vida mudou para uma estação de rádio mais silenciosa. A manhã dissolve-se na sesta, a sesta num almoço rápido, e então começa o longo estender do tempo. A luz desaparece cedo, a chuva miudinha instala-se, e percebes que não falaste com outro adulto há horas. Todos já tivemos aquele momento em que o dia parece esticar-se como obras na estrada que nunca acabam.
Os amigos mandam mensagens do escritório, os companheiros avisam do comboio, mas o teu mundo resume-se ao raio de uma roda do carrinho de bebé. Tentava ser grata — era grata — e a culpa estava sempre à espreita, pronta para me repreender por querer mais. Afinal, querer mais não significa querer menos do teu filho. Significa querer ser vista como alguém que existe para além de pilhas de fraldas de pano e esterilizadores de biberões. Sejamos honestos: ninguém faz isto todos os dias sem se perder um bocadinho à volta das margens.
Encontrar coragem para aparecer
A porta e o autocolante com o nome
Foi numa terça-feira que finalmente procurei o grupo de pais mais próximo. A sala ficava a cinco minutos, escondida atrás de uma sebe e de um quadro de avisos com cartazes enrolados de vendas de garagem e coros. Fiquei na entrada a ensaiar o meu nome e o nome do bebé, que de repente pareciam um exame para o qual não tinha estudado. Uma mãe com gémeos passou por mim com a autoridade de quem já ali tinha estado, e segurou a porta. Esse pequeno gesto de bondade empurrou-me para dentro.
Lá dentro estava claro e demasiado quente. Os tapetes rangiam debaixo das rodas dos carrinhos, e havia aqueles copos grossos de plástico que cheiram a detergente. Uma voluntária entregou-me um autocolante para o casaco e apertou-me a mão como se eu importasse. Havia bolachas num prato e o café era instantâneo, mas o som de outras mães à conversa era a coisa mais valiosa da sala. Não se percebe o quanto se sente falta de conversa fiada até ela ressuscitar nos ossos como uma canção antiga favorita.
A primeira conversa a sério
Sentámo-nos em círculo enquanto uma animadora cantava uma canção de embalar e uma dúzia de bebés olhava para cima como pequenos juízes cépticos. Quando terminou, fiquei ao lado de uma mulher de casaco amarelo com o mesmo ar meio surpreendido que eu trazia. Começámos pelo seguro — quantos meses, como dorme, e o desmame — depois arriscámos águas mais profundas, de quem éramos antes. Ela tinha trabalhado em eventos, eu numa redação, e ali estava: a centelha da conversa adulta que salta o abismo do inesperado como eletricidade.
Os bebés adormeceram; nós continuámos a conversar. Não era transcendente, nem profundo. Era banal e simultaneamente precioso. Senti-o como oxigénio: conversa adulta que não era cortada em pedaços minúsculos pela chaleira, o intercomunicador ou o meu próprio pânico silencioso. Quando ela se riu de algo que disse sobre a roupa para lavar, voltei a sentir-me eu. Não a versão de antes, mas também não totalmente a nova.
Construir um círculo a partir de desconhecidos
No fim, trocámos números com aquela delicadeza de quem não quer ser peso para ninguém. O grupo de WhatsApp floresceu nessa tarde: fotos dos bebés a dormir em poses estranhas, jantares meio queimados, perguntas sobre borbulhas, a tábua de salvação habitual dos emojis. Às 15h recebeu-se uma mensagem: “Parque, alguém?” Cinco minutos depois, três carrinhos alinharam-se no caminho como pequenos barcos a atracar, os copos de café a embaciar no frio.
A conversa tornou-se o andaime dos nossos dias. Quem precisa de pão? Quem tem Ben-u-ron? Que parque infantil não está encharcado? A generosidade era prática, não para mostrar. Alguém embalava o teu carrinho enquanto ias à casa de banho. Outro aparecia com bolos porque tinhas dito “estou de rastos” nessa manhã. O curioso era o quão oficial parecia, como se nos tivéssemos inscrito para uma sociedade de bondade silenciosa.
Ao fim de uma semana, admitimos as verdades mais tenras. Tínhamos saudades de nós. Amávamos os nossos bebés e ainda assim ansiávamos por um pedaço de vida que não precisasse de arrotos. Uma mãe contou que vestia o blazer de trabalho ao espelho e depois o tirava antes de alguém ver, só para se lembrar que podia. Às vezes falávamos de fraldas, outras vezes de ambição. A mistura era o remédio.
Amizade que cabe entre sestas
O grupo não resolveu o sono, não pôs a casa arrumada, não fez desaparecer a preocupação constante de fundo. O que fez foi ancorar o dia a pequenos momentos humanos planeados. Dez minutos num banco ao lado de alguém que sabe o peso exato do marsúpio no teu ombro não são pouca coisa. É um reajuste. É isto que parece a amizade agora: não gestos grandiosos, mas pequenos resgates.
Lembro-me de uma vez entregar a minha filha a uma amiga para poder beber o café ainda quente, a segurar o copo de papel como uma relíquia. Ela balançava a bebé ao colo e falava-me de uma série na televisão que eu ainda não conhecia, e senti-me mais desperta do que há semanas. Não tínhamos de ser brilhantes ou impressionantes. Bastava aparecer, meio remendadas, dispostas a estar debaixo do mesmo tempo. Só isso era um alívio.
O grupo como espelho
Lembrar-me de quem era
No grupo podia ser mãe sem ser só mãe. Partilhávamos podcasts, receitas, e os nomes dos ténis preferidos para andar o dia todo. Comparávamos licenças de maternidade e o limbo de planear creches quando o bebé ainda cheira a leite. Dizíamos o que geralmente fica por dizer: a inveja, o tédio, o amor que te esvazia e reconstrói na mesma hora.
Falar do trabalho não tornava ninguém menos dedicada ao bebé. Alargava o recipiente em que cabíamos. Não estava partida; estava só sozinha. Quando o disse, ouvi um coro de “sim” que me fez arder a garganta. Dar-lhe nome não resolvia tudo, mas diminuía o tamanho do monstro debaixo da cama.
Noites, mamadas e mensagens no escuro
Aqui está a parte que não esperava: a comunidade existia também nas horas estranhas. Um apito às 02h11 de alguém cujo bebé decidiu que dormir era para os fracos. Uma foto de um gato de guarda ao berço. Uma meia-piada sobre mudar-se para uma comuna onde todos se revezavam na mamada das 4h. Lá fora, as raposas gritavam e um camião suspirava na rua, e eu sabia que três outras mulheres estavam acordadas num raio de um quilómetro, coladas ao mesmo azul do ecrã.
Essas noites pareciam menos um precipício e mais um trilho. Cansativo, claro. Ainda longo. Mas menos solitário. Se precisava de prova de que a ligação cria outro tipo de silêncio — um que é macio, não áspero — o chat noturno era isso. Aprendi a descansar mesmo sem dormir, porque a rede de respostas amparava-me. Isto não é poesia; é cablagem.
O que o grupo deu às crianças (e a nós)
Os bebés cresceram, pois claro, em crianças pequenas que trocavam brinquedos como pequeninos executivos e depois choravam como se o céu tivesse caído. Aprenderam a tolerar-se, a andar atrás da mesma bola colorida, a partilhar uma bolacha e logo a arrepender-se. Ao vê-los, reparei que lhes estávamos a ensinar como estar com outros praticando nós próprios. Mostrávamos o ritmo da comunidade: chegar, cumprimentar, dar espaço, falhar, tentar de novo.
Na sala da igreja, havia lápis de cera com cheiro adocicado e um varal de casacos pequeninos como bandeiras. Planeávamos aniversários juntos, não porque fosse obrigação, mas porque fazia sentido. A alegria não era enorme. Era serena, honesta e sólida. O que construímos foi um tipo de pertença pequena e comum, e isso era tudo.
Para quem está à porta da sala
Se estás a pairar num degrau frio, com o bebé colado a ti como uma pergunta, eu vejo-te. A porta pode parecer mais pesada do que é. Não precisas de estar no teu melhor. Não precisas de cabelo lavado. Não tens de prometer que irás todas as semanas até ao fim dos tempos. Experimenta uma vez. Chega tarde, se ajudar. Sai cedo, se quiseres. Leva a tua confusão contigo.
O pior que pode acontecer é beberes um chá morno e abanar em sintonia com uma canção que vais andar a trautear à tarde toda. O melhor é encontrares alguém cujo riso combina com o teu, e tudo se abre um pouco mais. O meio também vale: um breve desabafo, uma dica para um parque novo, um revirar de olhos partilhado perante a mesa de muda-fraldas. Nalgumas semanas o grupo vai salvar-te. Noutras, serás tu a salvar alguém sem dar por isso. É assim que se move uma comunidade — devagar, como a maré.
Quando agora passo por aquela sala, ainda ouço o som suave das rodas dos carrinhos e o sobe e desce de conversas normais cosidas juntas. Tornar-me mãe a tempo inteiro tornou o meu mundo pequeno por instantes, mas o grupo mostrou-me onde estavam as portas. Não me devolveu a vida antiga. Deu-me uma versão maior desta, com mais mãos nela. E depois de sentires essas mãos a aparar-te numa terça-feira banal, nunca mais olhas para uma porta aberta da mesma maneira.
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